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15 de abril de 2013

Conto – A Queda de Icátia – por um cigano

- Deixa eu lhe contar da queda de Icátia. – fala Icrino, virando um copo. – Nossa história ainda existe, mas não em livro, ou papiro. Ou sequer em Monumentos. Estou vendo você aí, jovem Bardo. Vai escrever?

- Eh… Não senhor. – fala o mais novo do grupo.

Icrino debruça-se no tronco que fazia vezes de mesa. Enxuga seu longo bigode negro na camisa de seda bufante, tirando aquilo que não bebeu da caneca oferecida pelos dois anões do grupo. O Cigano lembra que eles falaram o nome de um templo de alguma coisa… Um deus ou um mago que apenas os mais obscuros ouviram falar. Mas eles precisavam de um guia para os arredores da aldeia de Lhentagar e o Cigano conhecia as trilhas e, bem, queria estar em qualquer outro lugar longe de Genesa.


- Eu vou acreditar em você. – fala enfim, com um ar alegre obviamente provocado pelo álcool. – Ou pelo menos dar a entender isso, me entende? Não gostamos da história escrita porque aí podemos ser contestados. Mas se quiser falar oralmente, sinta-se livre. Mesmo porque um Gajôs não teria credibilidade.

- Entendo, senhor. – fala Juan, com a cordialidade típica dos Trevilenses.

- Bem, Icátia era um reino formado por viajantes tempos antes da Guerra da Magia. Vendíamos nossos produtos à Velha Thames. Povinho arrogante mas com muralhas de rocha. Era sinal de civilização antiga ter muralhas de rocha, e a nossa só erguemos antes da Guerra. Chegamos a tratar com os primeiros Trevilenses. Mas muito pouco. Ainda não estavam consolidados… E eles eram ainda mais metidos do que os Thamezianos.

O semblante de Juan indica o desagrado ao mencionar a pátria do jovem bardo. Icrino chega a perceber, mas não muda sua postura.

- Não estou dizendo que ainda o são hoje… – adianta ele. – Mas não vou dizer que não o sejam. Você seja o juiz. Onde estava? Oh, sim. Os Aurianos.
Icrino cospe no chão e faz uma careta nessa hora.

- Claro, eram aqueles bárbaros cheios de ouro. De uma hora para a outra, tinha dezenas de centenas de pessoas naquele lugar estreito aos pés das Cordilheiras que eles chamaram “do Ouro”. Tudo é “do ouro” e “de ouro” para aqueles avarentos. Claro, nós gostávamos de ouro em Icátia. Estendemos nossa simpatia e produtos para lá. Era como uma enorme besta-fera que precisava de comida e não se importava com os custos. Derramavam ouro em nós. Tanto ouro que era prejuízo comercializar com a Velha Thames. Eles nunca vão admitir, mas o redemoinho comercial da cidadela de ouro quem provocou as guerras.

- Há relatos históricos que discordam do senhor. – adianta Juan. – O Império era um colosso em ascensão e a Velha Thames estava em seu caminho. O Império foi o agressor, e não Thames, por exemplo.

- Estou dizendo o que eu ouvi de meus antepassados, garoto. – fala o cigano com as palmas das mãos para o alto. – E por isso eu acredito mais neles do que no que você leu. Bem, não me lembro bem o que eu falava, mas o fato é que eles foram para a Guerra. Foi triste porque estávamos certos que uma civilização velha e de cavaleiros como Thames ganharia dos moleques ricos do Norte. Mas sei lá o que eles fizeram, tomaram o reino inteiro!

- Como falei, foi os Aurianos quem começaram a expansão. – fala Juan. – Entendo bastante porque o Império se aproximou perigosamente da fronteira ocidental de Tréville. É história em minha aldeia natal.

- Okey, espertinho. Quem se importa quem começou a troca de tapas? – fala Icrino incomodado com o jovem. – Eu estou falando de quem realmente estava lá! Meus Antepassados! Agora posso continuar sem interrupções?

Juan avalia que o mal-humor era provocado pelo álcool. Não duraria muito mais o mínimo de sobriedade do cigano para contar a história. Além do mais, o último a defender um Auriano de um Icatiano seria um Trevilense.

- Okey. – continua o cigano diante do silêncio do jovem bardo. – Thames Caíu. Depois os Elfos da Floresta se juntaram a eles. Tinha um reino no leste… Ou era suldeste? Chegava no mar. Eles tomaram também, e fizeram uma cidade no deságue do rio. Pararam no Deserto e começaram a ir procurando uma saída para o Norte e tomando tudo o que tinha no Oeste. Estavam estacionados em Kreta, literalmente parando uma guerra entre Minotauros e Centauros. E aí, alguém olhou para cima e viu Icátia. Foi nossa perdição.

- Então… como foi o ataque? – fala Juan, finalmente chegando no ponto que queria.

- Sabe que até que foi civilizado? – fala o cigano com ironia na voz. – Mandaram um batalhão grande! Tinha cavaleiros Thamezianos e um monte de soldados de armaduras variadas, de um paninho de seda amarelo até armaduras que andavam sem cavaleiro, dizia meu avô. Minha avó falou que a dragoa dourada que domesticavam estava lá, mas todo mundo dizia que não. E minha avó, sabe, já não ganhava uma discussão que envolvia memória ha algum tempo. Eles pararam fora, veio um parangolé de jumento e uma bandeira. Pediu hospedagem para o Rei, e queria falar.

- Típico dos falsos nobres. – bufa Juan. – Primeiro mostra as espadas, depois mandam um diplomata de terceira.

- Isso mesmo. – ri Icrino. – Ele falou para o Rei como era maravilhoso ser Auriano. Falava que tomaram Thames mas nada tinha mudado. Que o Rei de Thames mandava na mesma proporção, mas com o ouro dos Aurianos por trás. Dizia que os jovens teriam alistamento, mas que não iriam para a Guerra se não quisessem ou não fossem hábeis o suficiente. Que tinham mais recusas a alistados do que envio de jovens temerosos ao estrangeiro. Que iriam trocar tecnologias, elevar Icátia a um dos Velhos Reinos com tudo o que os sábios do sul de Meliny haviam inventado. Sabe, papo de Vendedor. Mas os Icatianos eram os maiores vendedores de toda a Meliny. Se a conversa era tão boa assim, era porque tinha dente de coelho. Recusamos sem nem pensar muito.

- O que eles fizeram então?

- O parangolé foi embora e veio outro. Esse tinha armadura brilhosa e era forte! Dizia ser um grande general! Aí ele falou que queriam subir ao Norte e a passagem de Icátia era a única. Tinha o reino de Nevada mais a oeste, mas o Império não tinha chegado lá. Então ele falou que iriam tomar à força se o rei não concordasse. Lá tinha ido todo o papo doce de virar imperiais.

- Vermes mentirosos. – bufa Juan, impressionando mesmo o cigano por se ofender como se tivesse sido com o seu próprio povo.

- O rei não quis saber, desceu e foi dar uns tabefes bem dados naquele lazarento. Ele urrava que era violação de tratados de guerra agredir um mensageiro, mas se você ameaça alguém em sua casa, merece sair enxotado, ou não sair, concorda?

Juan cala-se naquele momento. Estava assombrado com a ideia de executar um mensageiro ao invés de só o devolver com a recusa, como os reinos civilizados fariam.

- Bem, o maldito matou o rei e conseguiu fugir. mas não saiu limpo! – fala envergonhado o cigano. – Como falei, o Império tava com a Guerra com Kreta, então sitiou nossa capital por coisa de quatro meses, eu acho. Sorte que nossa geografia garantia uma saída para o norte, mas as principais estradas estavam fechadas. Já tinha Tréville e Doravânia, mas os seus estavam com problemas de Orcs e Doravânia era longe demais. E eram tão metidos quanto os aurianos. Pensávamos em vender e comprar somente. Mas a cada dia saía boatos de que a Guerra de Kreta estava para acabar e que o Império ia subir para o norte passando por cima de nós.

- Bem, foi o que eles fizeram. – ri Juan. – Mas como foi a defesa?

- Bem, todos os que puderam fugiram pela passagem do Norte. Mulheres, crianças, e covardes. Nessa época de mulher só tinha minha trisavó, umas senhoras viúvas ou as curandeiras, e a Velha Kassdra, Uma doida que vivia no pântano e diziam poder ver o futuro. Mas todos concordavam que a velha agourenta devia ter ido embora com os frouxos. Dizia que iríamos perder Icátia mas que jamais deveríamos deixar nossa terra, senão seríamos amaldiçoados pelos espíritos malignos das vozes na cabeça da velha bruxa.

- E os Wenhajins?

- Ah, já ia chegar lá! Já ia chegar! – repete o cigano. – Do nada, esse povo de armadura colorida chega do Norte. Eles entram na capital, traziam comida esquisita, mas depois de quatro meses de sítio comíamos de tudo! Um deles, de armadura negra como a sombra da noite de lua nova, vai tratar com o Império. Dizia que Icátia estava sobre proteção de um império também. Nessa hora, a gente desacreditou ainda mais a bruxa Kassdra. Mas ela insistia: “Não deixem Icátia senão maldição bláblá…”

- Os Wenhajins simplesmente apareceram e tomaram para sí a sua guerra? – estranha Juan.

- Chamou a defesa de “O Combinado Wenhajin-Icátia”. A maior resistência que o Império Áureo encontrou! Mais que o reino velho de Thames. Veja bem: Ninguém a não ser os muito esclarecidos sequer sabiam do reino de Wen-ha! E eles mandaram um monte de soldados treinados, com armas tinindo! O Império sentiu isso. Pena que na época já tinha acabado a Guerra de Kreta e eles puderam marchar com tudo. Quando veio o ataque, até minotauros eles tinham da formação! Mas ‘tavam na carga da maldade mesmo que àquela altura já tinham alcançado Primaz além das cordilheiras.

Juan estava empolgado porque chegava à parte da ação. Mas Icrino estava mais preocupado com a boca seca. Ele toma o último gole da caneca de madeira, enche-a de novo e toma mais um gole. Chega a engasgar quando volta a falar.

- O Império veio que veio! – fala após desengasgar. – Bateram na muralha da cidade que nem martelo, e aí os Samurai, tudo ponta-de-lança, correu e empurrou para trás. Os wenjakas não tem medo de morrer, sabe! Eu sempre digo: Não compre briga com quem não tem nada a perder. O Império pensava assim, e deu espaço e deu espaço. Foram dias assim, eles atacavam, os samurais desciam correndo gritando. Mas samurais eram soldados treinados também. Eu diria que um samurai vale mais que cinco soldados Aurianos. O problema é que eles tinham dez soldados para cada samurai. A gente teve que fazer nossa parte.

Icrino cambaleava de sono. Só pensava em terminar a história.

- Depois de uma semana os Aurianos começaram a brigar como gente grande… Aí foi lasqueira. Foi morrendo samurai, perdendo samurai, nós tínhamos uma forte artilharia de flechas e badogues, e fundas e pedras de fogo. Mas os malditos tinham catapultas e feiticeiros a saltar névoa de morte e bola de fogo. Minha avó falou que a dragoa dourada dos aurianos apareceu. Desta vez um ou outro dos meus antepassados concordavam com ela. Não todos, mas não era só minha avó. Passamos uma semana ganhando a guerra, e no fim-de-semana eles estavam na muralha de novo. Os Samurais na pilha de “vamos até a morte, nossa ‘e’ deles!” Não era nem “Nossa ‘ou’ deles”. Era “e”! Aí que o povo Icatiano viu que vencer não era opção, e a gente não é doido que nem os Wenjakas. Ainda tinha a passagem livre para o norte. Posso dizer que nenhum Icatiano se rendeu ao Império, porque no último dia não tinha nenhum Icatiano na capital.

- Vocês deixaram os Samurais para trás, defendendo o lar de vocês.

- Os samurais eram doidos! A gente falou que a terra não era importante, e sim a liberdade, mas eles ficaram! Diziam que o Império não matou todo mundo porque ficaram com pena! Tiverma de amarrar os prisioneiros enquanto tratavam! Perder não era opção! Mandou todos para uma prisão que era mais um palácio e mesmo assim um monte cometeu suicídio! Nem a extradição era aceitável para aquele povinho doido! Sabe, o Império preparou uma enorme armada para atacar o reino deles, mas teve um terremoto, maremoto, algo grande que matou muita gente no sul, mas foi tão cabuloso que decidiram deixar para lá! É muito complicado lidar com gente assim. E o Império parou a expansão poucos anos depois, então…

- E o que se fez dos Icatianos?

- Bem… Aí é que a história fica triste. Perdemos nosso lar e nos espalhamos. Mas o maior acampamento, do herdeiro do rei recebeu a visita da Kassdra, dizendo “eu falei para não abandonar a cidade! Falei! Vocês ouviram? Não! Os Wenjakas quem ficou até o fim e nem um piolho Icatiano tinha na cidade quando caiu. As forças do outro lado não gostaram! ‘Tamos tudo amaldiçoado! Nunca mais vamos erguer uma cidade sequer! Têje de praga!” E é aí que eu me revolto: A Velha nunca acertava as estações de colheita, mas as maldições caem que é uma beleza. Para fazer maldade as magias funcionam mesmo.

- Vocês se acham amaldiçoados então?

- Nunca mais um Icatiano levantou uma construção mais complexa que uma tenda. Ficamos algum tempo na cidade dos outros – veja bem, dos outros – e não aguentamos. Dá uma comichão nos pés e a gente precisa andar. Precisa sair. Se algum cigano, como eu, está sozinho, aí talvez consiga ficar numa parada algum tempo… Mas se chegar mais dois, aí o desespero de viajar aumenta. E como vivemos em caravanas nômades, é aí que não paramos em casa de ninguém. Então, os mal-elementos da comunidade – toda comunidade tem – se destacam, e ganhamos fama de ladrões. E como nossas leis não correspondem sempre com as leis de onde paramos, dá problema com os Gajôs. Mesmo se quiséssemos forçar a barra para ficar, os donos das cidades forçam a barra para nós sair. Daí, inevitavelmente mescla-se o sangue, e vamos diminuindo o número. Icatianos… Estão em extinção.
As últimas frases daquele tristonho homem traziam muita sonolência. Juan respeita aquele contador de história triste e penoso, e prefere se afastar. Icrino balburcia as últimas frases para ninguém, e enfim cai no sono induzido pela cerveja anã.
Na manhã seguinte, Icrino não estava mais com os aventureiros. Bem como alguns de seus pertences. E sinceramente, Lhentagar não deveria ser por aquelas paragens.
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