Fragmento atribuído ao erudito anão Thraldir Barbalonga, início da Era da Reconstrução. Preservado nos Anais da Fortaleza de Thrummaz.
> “Dizem que a tradição anã é como a pedra: firme, inabalável, eterna. Mas até mesmo a pedra racha sob os séculos.”
Assim começa a carta não enviada de Thraldir Barbalonga, conselheiro do clã dos Barbas Castanhas. O texto, encontrado entre os registros selados da Biblioteca Rubra, parece ser uma resposta a uma circular clerical vinda do sul — onde os devotos de Hannah, agora sob o luto perpétuo da deusa caída, conclamavam todos os anões a raspar suas barbas como sinal de fidelidade e memória.
> “Em Meliny, os que clamam por fidelidade absoluta esqueceram que a fidelidade nasce do amor, e não da imposição. Ora, não cortamos nossas barbas no luto — não por desrespeito, mas por respeito à verdade. Nossa história não começa com a morte de Hannah. Lutamos ao lado de Othen, sangramos no solo das planícies queimadas, enterramos irmãos sob estandartes que não carregavam o nome dela. E isso foi honra.”
Thraldir escreve com pesar, mas também com fúria contida. Ele não nega o valor dos seguidores de Hannah. Pelo contrário, demonstra admiração por aqueles que, feridos pela perda, buscaram consolo no rito. Mas recusa o decreto que transforma um gesto de dor individual em mandamento universal.
> “Cortar a barba agora e dizer que é tradição... é como plantar uma semente no outono e exigir que ela se torne árvore ancestral. A tradição que dura é aquela que cresce com o tempo, e não aquela que é decretada sob lágrimas recentes.”
Em sua carta, Thraldir também questiona o absolutismo dos dogmas:
> “Expulsar os que pensam diferente? Dizer que quem deseja outra vida ‘renegou o que é’? Por Othen, onde foi parar a forja do pensamento anão? Não é divergência que enfraquece o povo — é a rigidez. Um povo que expulsa seus filhos é um povo que cava sua própria cova.”
O documento termina com uma observação pungente sobre o tempo:
> “São passados quinhentos invernos e mais alguns punhados de anos. Para um anão, isso é tempo de avô para neto. O mundo mudou, mesmo que algumas montanhas insistam em não notar. Mas até a rocha cede ao tempo — e quando não cede, desaba.”
Nota do Escriba:
Embora esta carta nunca tenha sido formalmente enviada aos Templos do Sul, muitos estudiosos a consideram o início do “Cisma das Barbas”, uma ruptura simbólica entre os clãs anões devotos a Othen e aqueles que seguiram o luto ritualista de Hannah. A despeito das tensões, ambas as linhagens sobreviveram — cada qual mantendo sua tradição viva, como um fio distinto no grande tear da história anã.
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