BLOGGER TEMPLATES AND MyYearBook Layouts »

7 de fevereiro de 2014

Os 12 trabalhos de Hércules e o RPG.

Certa vez eu fiz uma piada com um paralelo de Hércules e uma campanha... Isso me levou a traçar estas linhas (bem, digitar estas teclas...).

 Hércules é provavelmente o primeiro "super-herói" do mundo. Apesar de seus feitos serem em grande parte solitários, seguem uma estrutura excelente para guiar o narrador na elaboração de uma campanha, abaixo, explicado:

- o pano de fundo.

Temos o que o narrador cobra além da ficha. A origem e explicação dos talentos do personagem-jogador (Hércules, Filho do onipotente Zeus e de uma mortal Alciméia) e algum conflito que possa guiar a ação do mestre (Ciúmes da deusa Hera, que desde o berço tenta matar o pimpolho).

Mas ainda é a primeira aventura. Não vamos estrear logo com Hera. Em seu lugar surge rei Euristeu, seu maior inimigo (protegido de Hera, que delegou o serviço de importunar o forçudo grego). O invejoso e perverso regente de Micenas não poupou esforços para que nosso herói perecesse sob sua tutela...

Em "O Herói de Mil Faces", a "sombra" - o personagem que é o desafio do herói - não é necessariamente um vilão. Pode ser só um treinador árduo que exige que o protagonista seja merecedor. Mas vamos ficar com o clássico vilão.

Os Doze trabalhos são uma penitência auto-imposta por Hércules para se redimir de pecados. Esta é apenas uma boa base para o motivo. Sentar numa taverna e ser seduzido pela promessa de ouro e poder funciona, mas é tão melhor ter um motivo maior que ele mesmo, não?

- O Primeiro Desafio - Leão da Neméia

 No Peloponeso, Existia uma besta que não podia ser ferida. Então, Hércules postou-se contra esse monstro assassino, e o destruiu pela mera força de sua herança divina. Como prêmio, arrancou a pele indestrutível do leão e usou como manta.

 A primeiríssima história elevada a níveis épicos é uma mera "mate aquele monstro ali". Poderia ser uma tribo de goblins, ou uns anarquistas ingressando os bairros afastados do domínio de seu príncipe. Clássica primeira aventura. O jogador deve estar se familiarizando com suas ferramentas mais básicas - a força.
 Outra característica é o prêmio. O aventureiro iniciante está "no esboço". Sempre é bom um prêmio para mantê-lo vivo sessões o suficiente para ganhar moral nos próximos desafios

- Hidra de Lerna

 Para mim, o maior dos oponentes da primeira quadra (ver adiante). Não só um dragão de nove cabeças como um dragão de nove cabeças imortal!

 Mesmo sendo o mais forte dos homens, Hércules não poderia impor sua força ao monstro. Precisaria descobrir qual a Cabeça verdadeira da monstruosidade para definitivamente matá-la... Mas como?

 Com a coragem de seu sobrinho Iolau: à medida que o herói cortava fora uma cabeça da besta, Iolau usava uma tocha para cauterizar o corte, prevenindo que a fera recuperasse sua força total, e eventualmente, os aventureiros triunfaram!

 Para balancear a simplista aventura do leão da Medéia, o narrador deve forçar os heróis a "pensarem fora da caixa". Uma solução criativa deve valer mais que a mera destruição... Senão, por mais talentosos que os heróis sejam, eles não superarão os desafios finais.

- A Corsa de Cerineia

Hércules deveria caçar uma corça com pés de bronze, o animal mais rápido do mundo. Esta sagrada besta de Artêmis não poderia ser ferida (basta Hera como deusa furiosa no teu pé, amigo...) e jamais se cansava. Vago a forma usada por Hércules para superá-la. O mais comumente aceito foi que após um ano, ele conseguiu utilizar uma rede.

 O maldito do contratante mandou os heróis para uma missão impossível... Exceto com o uso de um artefato: Uma rede apropriada para a missão, que pode ser uma sessão própria consegui-la. Típico uso de "sidequests". Até mesmo uma noção de tempo gasto maior que o da maioria das missões (embora imagine o tormento de um ano de jogo numa única caça...).
 Uma missão menor para cumprir o objetivo maior, posteriormente todo o preparativo da caçada. Como narrador, eu adoraria que os aventureiros usassem a pele do Leão da Neméia e uma noção de trabalho em equipe aprendido contra a Hidra para superar a velocidade da Corça. Mas com nove trabalhos ainda, aplicações mais complexas dos feitos ainda podem ser esperados.

- O Javali de Erimanto

 "Toda semana mato um monstro e ganho algo com isso" pode ficar repetitivo. O Javali foi expulso a BERROS de sua toca, de tão fácil e rotineira essa fórmula está se tornando. Mas na lenda, há uma mudança significativa. Não só o personagem já está confortável com seu personagem e prêmios, como quando Hércules retorna com a besta tão assustadora que faz Eristeu apavorado se esconder numa ânfora, o povo clama pelo herói, desmoralizando o regente.

 É uma primeira vitória moral, a qual começa a ter consequências. O rei de Micenas muda de foco, e os jogadores devem perceber isso nos episódios seguintes...

- Os currais do rei Aúgias

 Três mil bois e que há trinta anos não eram limpos. O fedor e a doença espalhava-se pelos domínios do rei Aúgias. Mas o infeliz do Euristeu mandou logo o Leão da Grécia, o semideus Hércules, para fazer tão degradante trabalho?
 Sente-se um pouco de politicagem nesta etapa. O sucesso era uma incógnita, mas ainda que conseguisse, seria uma humilhação. O rei de Micenas estava jogando com seu poder contra o adversário que fracassou em destruir.
 E eis que mais uma vez Hércules pensa fora da caixa. Com a força do Olimpo, o herói desvia o curso de um rio (rio Mênio ou o Alfeu)! E com a corrente de água, os estábulos e os bois foram limpos mais rapidamente, e mais epicamente do que os envolvidos aguardavam.
 Pelo feito, Aúgias pagou o campeão. Um prêmio pelo feito que provavelmente pegou o narrador desprevenido...

- Trabalhos 5 a 10

Vou dar uma resumida agora. Nos primeiros quatro trabalhos, Hércules era um instrumento de destruição de monstros. Do quinto em diante, ele é uma força política, cuidando da pestilência dos currais, punindo Diomedes por criar cavalos carnívoros (um momento IBAMA do Hércules), dando um "quem-manda-aqui-sou-eu" nas Amazonas de Hipólita, Conquistando um troféu de poder (o Touro de Creta... o PAI DO MINOTAURO!) etc.

 O aventureiro chega a certo nível de sua vida que, mesmo para o desgosto do vilão, é uma força política a ser reconhecida... E usada. Graças a Hércules, Micenas reafirmou-se perante hostis e perante seu povo.

... Mas o fim da penitência de Hércules estava para acabar...

- Os dois últimos.

 Existem fontes que dizem que originalmente eram dez (um número até mais cabalístico) os trabalhos, Hera declarou que dois dos trabalhos não valeram: A Hidra, porque Hércules obteve ajuda; e os estábulos... Porque rei Aúgias o pagou. Logo, Hércules precisaria cumprir duas últimas missões para o seu desagrado.
 Este recurso é perigoso. Os jogadores podem achar que o Narrador está inventando (e talvez até esteja). Se ele for esperto, vai usar quaisquer revoltas dos jogadores a seu favor... Direcionando isso à deusa advogada-de-regras ao invés do amado mestre.

 Mas há outro motivo para estes dois trabalhos serem destacados dos demais: Hércules vai ao céu e ao Inferno.

 Chega um momento que fica claro que o "mundo mortal" não traz desafios sóbrios dignos á experiência que seu grupo galgou... Então, deve ocorrer uma "apoteose". Seus feitos devem ser grandiosos. Embeleze. Exagere. Coloque-os ao lado de figuras das lendas ao invés de qualquer coisa do Livro dos Monstros.

 Eu participei recentemente de uma longa campanha e o que mais me frustrava era que parecia que nada do que eu fazia afetava o estático mundo que o mestre usava. Os NPCs "Oficiais" eram completamente alheios a nossos esforços, e variavam com o humor do nosso volúvel narrador. Hercules vai querer recolher Cérberus e desafiar o intelecto de Átlas pela maçã dourada. Do que adianta espantar monstros com berros se você não consegue o louro.

 Muitos confundem isso com dificuldade. Fazem troça dos "níveis iniciais". Como se a diferença entre o Leão da Neméia e os Bois de Gerião fosse mera dificuldade de monstro. Trata-se de ritmo de história.

 Concluo que os antigos podem ainda nos ensinar uma ou outra coisinha sobre coisas que eles nem imaginariam. Joseph Campbell defende sempre a ideia do "Monomito", de que muitas histórias seguem o mesmo padrão por refletir a natureza humana, esta universal em qualquer cultura do globo. O Narrador guia seus argonautas buscando alcançar uma sincronia de divertimento, o ritmo e as noções, mesmo "manjadas", podem ser o instrumento para tanto.

0 comentários: