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8 de outubro de 2015

Cenário leve ou cenário pesado?



Quem joga nos seus cenários de jogos? Os novatos que gostam de zoar e rir das histórias, ou os veteranos mestres dos números e regras de construção, que leva a partida a sério e criam tanta tensão no ar que você pode cortar com uma faca?

Se você fez seu trabalho direito, os dois.

 Entenda como "cenário" não o mundo de campanha, mas sim o ambiente criado pelo narrador. Antigamente, eu diria que uma mesa cheia de conversas paralelas é "inferior" a uma mesa onde todos ficam mudos, pois uma palavra "em off" pode desmantelar a atmosfera daquela negociação com os anciões da Camarilla. Mas na verdade, alguns momentos de comemoração, exaltação, ou mesmo ofensa aos malditos dados que estão seguindo na contramão da estatística, faz com que os jogadores compartilhem aquela experiência, e que os participantes entrem num entendimento, numa mesma sincronia de como encaram aquele mundo: se algo quase religioso a ser contemplado e admirado como num cinema em que precisam de silêncio total para apreciação, ou se como num estádio vendo uma luta de MMA ou uma partida de futebol, comemorando o gol, o golpe bem aplicado... E xingando a mãe do juiz.

 Mas porque não começar em uma e partir para a outra organicamente?

 Eu percebi primeiro em webcomics que eu acompanho - especialmente Goblins e Order of the Stick - mas pode ser levado a outras mídias com igual facilidade. A primeira temporada de Naruto se voltava a definir quantas mulheres peladas podiam derrubar os "vilões" que apareciam com sangramento nasal, e a última era uma batalha moral entre amigos cujo desfecho corria a um duelo fatal entre os dois. Após algumas piadinhas com regras, fica difícil perder tempo com isso diante de uma cena de tortura ou encarar um companheiro morto, ou mesmo um amor perdido.

 Tormenta foi muito bem-sucedida nesse aspecto: De um lado do continente corria uma trama como a da Trilogia começada com "Inimigo do Mundo", e no extremo oposto, a levíssima Holly Avenger. Ao mesmo tempo, como falei no "Clube dos Cinco", eu me senti despreparado quando tive de pegar o meu segundo cenário próprio - a Nova York de Vampiros: A Máscara - e tive de lidar com personagens em outro foco que não o que eu me sentia confortável porque ele não cresceu organicamente.

 Não falo (somente) de nível de ameaças. Mas o cenário deve ter uma evolução na maturidade de seus temas e trabalhar isso. Mas fácil quando as ações dos jogadores interferem no mundo - seja sua percepção, seja ... Bem... O "destino do mundo!". Um bom personagem nasce com um conceito idealizado pelo seu autor, e ao longo do tempo muda completamente. Isso porque ele vai se "encontrando" com o cenário e com os alinhamentos de interesses do narrador e dos jogadores.

 Meu maior exemplo foi um dos últimos personagens que eu joguei: Tholen, o Flagelo de Vorbyx. Eu não conhecia o grupo nem o cenário, então elaborei a coisa mais genérica que pude conceber - um anão guerreiro mal-humorado. Daí a isso se tornar uma relação de amor-e-ódio com os companheiros, Tholen se tornar mais um sarcástico do que um cara intratável, e as ironias que suas frustrações ante os poderes do mundo que surgiam contra ele deram a cor ao personagem. Já tinha jogado com anões antes e não me liguei muito... E nunca imaginaria o que ele se tornaria.

 Bons personagens crescem de forma independente do que o jogador tinha planejado em sua gênese. Pode escrever na sua ficha que seu personagem nunca tiraria uma vida... Mas no momento em que ele está numa situação em que ele pode perder, o peso daquela frase define muito do seu caráter. O medo do jogador de perder um personagem podendo salvá-lo com uma ação que decidiu não tomar soma-se a quão banal ou relevante é a morte, ou quão "engraçado" ou "tenso" é o cenário em que de repente, você viola um voto ou uma conduta por benefícios, ou pior: Sacrifica-se e perpetua um "mal" porque você jurou determinada omissão? Eventos vão se acumulando, e um padrão de atitudes de certos jogadores - ou mesmo sua quebra - determinam muito sobre quem ele é e seu lugar no mundo.

 Por incrível que pareça, eu já testemunhei também o contrário: O clima "relaxar" enquanto uma campanha se desenrola. Primeiro, porque com os níveis e os poderes, a possibilidade de sobrevivência de um personagem aumenta e ele pode se dar ao luxo de ter honra à palavra dada e aos votos... Ou quebra-los descaradamente. Segundo, porque com o efeito do jogador "conhecer o personagem" permite a ele manobrar seus "alinhamentos" de forma convincente. E por fim, as conquistas se tornam parte do personagem, e se tornam assunto dentro e fora da mesa. Aquele papel com números tem uma história por traz, feitos a serem resgatados no jogo.

Uma de minhas grandes frustrações como autor de cenários é não conseguir jogar esses focos de luz menos sérios. Em Meliny, jamais elaborei de forma satisfatória a Takiro Kairi - que seria uma "escola animê de aventureiros estilo oriental" - nem o Reino de Wizarlah - um terreno com magia mais abundante e simplista, com direito a uma cidade em eterno musical e uma floresta onde fábulas ganham vida e interagem com os visitantes. Seriam lugares em que lidar com a próxima invasão dos demônios ou com tramas políticas entre deuses das trevas e profecias apocalípticas não seria a linha condutora da campanha. Em compensação, tive com os jogadores momentos de ouro ao longo da Cruzada da Luz exatamente quando o mundano entrava nas histórias.

Assim, o que nós gostamos numa campanha pode – e deve – mudar ao longo da campanha. O “jogo de cintura” necessário para ser o Narrador deve ir além dos jogadores simplesmente não aceitarem aquela missão do Velho da Taverna. Você quer que seus neófitos tenham um terror referencial ao príncipe? Isso nem sempre será possível. Quer um batalhão destemido com gatilho nervoso? Vai ser frustrante se todos forem soldados regulamentares, ordeiros e humildes E o pior: Vai que você consiga seu objetivo... Tudo vai mudar ao longo da campanha.