Daidoji Ayro: O Peso da Honra
Cena 1: O Peso de Aço e Silêncio
O som metálico ecoava no depósito da casa de Rame. Ayro, ajoelhado, ajustava as travas de um cofre robusto, oculto atrás de uma parede falsa, escavado em uma enorme rocha que compunha a fundação da casa. Ele empurrara a armadura Plumas de Aço para dentro, cada peça reluzindo sob a luz do entardecer. Daidoji Rame observava em silêncio, até que ele fechou o cofre com um estalo final.
Rame: "Por que você guarda o que deveria vestir?"
Ayro trancou o cofre com firmeza, sem se virar.
Ayro: "Porque não vou lutar as guerras deles de novo. Um dia, serei digno das plumas. Hoje, as talas de aço que você juntou servirão, irmã."
Rame: "A Garça faz parte do Império, Ayro. Sempre fez." — Ela cruzou os braços, o pano sujo de óleo e fuligem ainda em uma mão. — "Não podemos escolher quais lealdades cumprir."
Ayro: "A lealdade é uma faca. Você se corta quando não conhece o fio." — Ele se levantou, girando a chave lentamente antes de devolvê-la ao cinto. — "Fui à capital, servi o trono, cruzei a Muralha. Nada disso foi para o clã. E no final, quando a espada se partiu, o preço..."
Rame manteve o olhar firme, mas seus olhos traíram um lampejo de preocupação.
Rame: "E o que você vai fazer agora? Correr com lanças no campo? Brincar de soldado?"
Ayro: "Não. Vou liderar. Não para o Império. Para nós." — O samurai, agora um jovem adulto com cabelos recém-tingidos de branco, ergueu o olhar, direto e duro como pedra. — "Quero ser Taisa. Capitão. Os Daidoji precisam de um escudo. Alguém que não seja chamado a morrer por interesses distantes."
Rame: "E pensa que vão te dar esse posto?" — O sorriso zombeteiro da irmã, uma bela jovem com mãos calejadas, era quase cínico, mas havia calor por trás. — "Capitães servem ao clã, e o clã ainda serve ao Império."
Ayro: "Sim. Mas enquanto eu viver, não me ajoelho pelo bem de outro. As lanças da Garça apontarão para fora, e eu as manterei de pé."
Cena 2: O Chamado da Terra e da Água
O vento do final da tarde soprava sobre os campos, trazendo consigo o aroma fresco de grama cortada e o distante murmúrio das águas do Rio Mizuno. As margens do rio serpenteavam ao longo das terras do Clã Garça, uma faixa prateada que dividia a planície em duas. Não muito longe, uma ponte de madeira arqueava-se sobre o fluxo constante, ligando as terras agrícolas às estradas que levavam à aldeia de Daidoji Uchi, uma fortaleza discreta e funcional perto do antigo campo de batalha que levava o nome da família.
Ayro respirava fundo, os olhos nostálgicos percorrendo o horizonte, onde as colinas se erguiam como os ombros curvados de um guerreiro em repouso. A terra aqui era marcada por mais do que apenas história; ela guardava as cinzas de ancestrais e o peso de juramentos velhos como as pedras sob seus pés. Cada polegada de solo parecia murmurar promessas antigas — de sacrifício, de sangue derramado em defesa do clã. Ele sentia o peso dessas promessas em seus próprios ombros, uma carga invisível, mas sólida como o aço.
Seu olhar caiu sobre a ponte, cujas tábuas de madeira mostravam sinais de desgaste e descuido. "Até o que deveria sustentar acaba por ceder", pensou, amargo. Ele apertou o punho, sentindo o áspero toque do cabo de sua lança. O aço não mentia, mas a madeira podia apodrecer por dentro, disfarçada por verniz e polidez.
O som de cascos sobre pedras e o estalar de selas interromperam seus pensamentos. Ele virou-se lentamente, a expressão calma, mas os olhos afiados como uma lâmina recém-forjada.
Um jovem de cabelos negros e olhos claros desceu de um cavalo elegante e fez uma saudação formal. Sua postura era impecável, destoante para alguém tão jovem. Sua respiração estava controlada. A luz do entardecer lançava sombras longas sobre suas vestes finamente bordadas com o mon de uma família nobre. Dois cavalos aguardavam pacientemente atrás dele, atados a uma corda que se dividia entre os dois animais.
Kakita Ichiro: "Daidoji Ayro-sama. Fui enviado para guiá-lo até o comandante local." Havia um tom deliberadamente neutro em sua voz, uma formalidade que soava perfeita demais, como o fio de uma espada polida.
Ayro observou o jovem por um instante que se prolongou além do confortável. O vento movia as dobras finas das vestes do garoto, o mon da família Kakita bordado com precisão sobre o tecido, uma assinatura de autoridade e refinamento. O rosto impassível, os olhos claros e firmes sustentavam o olhar de Ayro sem vacilar, mas havia uma tensão controlada, como o fio de uma lâmina mantido sob pressão constante. A linhagem Kakita estava estampada ali — a graça contida, a precisão meticulosa —, mas havia algo mais, uma sombra de intenção que o deixou alerta.
Ayro: "Você não é um oficial." — Ele quebrou o silêncio como o toque de uma lança contra pedra. — "Seu nome?"
O jovem curvou-se levemente, cada movimento calculado com a precisão de um corte perfeito.
Ichiro: "Kakita Ichiro, pajem ao seu serviço, Daidoji-sama."
A resposta foi tão polida quanto um duelo de palavras bem ensaiado, mas Ayro franziu o cenho.
Ayro: "Um tanto... irregular."
Os Daidoji eram a muralha de ferro do Clã Garça, guerreiros endurecidos pela tradição e pelo dever. Integrar membros de outras famílias, mesmo em papéis menores, era um evento raro, e geralmente resultado de manobras políticas ou favores pessoais. O mérito, por si só, raramente pesava mais que a conveniência das alianças.
Mas este Kakita não parecia um jovem deslocado por interesses ocultos. Seu porte, ereto como uma lança bem equilibrada, e a disciplina refletida em seus olhos demonstravam uma serenidade e um controle que Ayro reconheceu com desconforto — superior à sua própria compostura social, lapidada na fricção entre tradição e batalha.
A presença de Ichiro era uma exceção — anomalia ou escolha? A questão pendia no ar como uma lâmina suspensa, esperando pelo momento certo para cair. Sem uma palavra, ele subiu no cavalo que Ichiro trouxe, sentindo a tensão no ar como o primeiro toque de uma tempestade que ainda estava por vir.
Cena 3: Ecos da Escuridão e Promessas Não Cumpridas
A sala onde o Shireikan Daidoji Makuro mantinha seus aposentos oficiais era ampla e sombria, o ar impregnado pelo cheiro de óleo de lâmpada e o mofo das paredes antigas. A luz tremulante lançava sombras alongadas sobre as pilhas de mapas, os padrões de batalha empoeirados como relíquias de guerras esquecidas. Atrás de uma mesa maciça, um homem de ombros largos e expressão insondável repousava como uma estátua, o olhar fixo em Ayro com o peso de cem julgamentos silenciosos.
Seus cabelos estavam cortados curtos e grisalhos, a pele marcada pelo toque constante do vento e da poeira. Ele movia-se pouco, mas quando o fazia, cada gesto era calculado, como se mesmo o ato de respirar fosse uma escolha deliberada.
Makuro: "Daidoji Ayro. Foi um Yoriki, se bem me lembro."
Ayro: "Fui, senhor." — A resposta veio com a precisão ensaiada de um duelo verbal.
O Shireikan inclinou-se para frente, os olhos afundados brilhando como brasas apagadas.
Makuro: "Por que deixou o cargo?"
Ayro: "Por interesse do Império."
O silêncio prolongou-se, até que Makuro o quebrou com um murmúrio quase inaudível.
Makuro: "E sua ida à Muralha?"
Ayro: "Interesse particular."
A boca do Shireikan curvou-se levemente em algo que poderia ser um sorriso, mas parecia mais um espasmo cansado.
Makuro: "E os resultados de ambos?"
Ayro: "Desastrosos."
Makuro soltou um riso baixo e gutural, o som reverberando como o eco de um corvo. Ele se recostou na cadeira, os dedos batendo suavemente sobre o mapa à sua frente.
Makuro: "Gosto de homens que sabem admitir o fracasso."
Ele pegou um papel, examinou-o brevemente e o largou de lado, como se fosse um pedaço de pergaminho sem valor.
Makuro: "Minha presença aqui será esporádica. Estarei ausente, tratando de assuntos no palácio. Você, Daidoji, será encarregado da região. Informará-me de tudo que for relevante."
Ayro manteve o rosto calmo, mas suas palavras carregavam um tom cuidadosamente controlado.
Ayro: "Comandar uma guarnição demanda responsabilidade. Minhas ações e minha idade sugerem que eu deveria ser nomeado Chui, no mínimo."
Makuro: "Você abandonou a hierarquia para se tornar Yoriki. Isso foi uma promoção. Agora, ser Gunso deve servir... por enquanto."
O silêncio caiu novamente. Ayro absorveu a declaração com uma postura respeitosa, mas o brilho em seus olhos não cedeu.
Ayro: "Ainda assim, eu me tornarei Taisa. Não por um nome. Por mérito próprio."
O Shireikan o estudou com uma intensidade quase predatória. Após um longo momento, ele inclinou levemente a cabeça, o respeito oculto sob camadas de cinismo.
Makuro: "Um dia, quem sabe. Seu avô... eu o conheço. Respeito suas decisões. Nepotismo não se aplica aqui."
Ayro: "Se eu fosse de nepotismo, o que eu não sou, senhor... Daidoji Ambiru, meu avô, faria questão de ordená-lo a me repreender."
Makuro fez um gesto vago, encerrando a conversa com a mesma facilidade com que se descarta uma peça de xadrez já perdida.
Makuro: "Agora, vá. Já conheceu Ichiro, ainda há vinte para bajularem você."
Ayro inclinou-se em uma reverência profunda e saiu sem hesitar, o peso das sombras da sala atrás dele substituído pela chama inextinguível de sua própria determinação.
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