[A vez em que inventei uma reviravolta só para engajar um jogador apático]
Isso aconteceu há muitos anos — hoje tenho mais de 20 anos de mestragem, e mesmo assim essa história, da minha segunda campanha, continua sendo um dos meus momentos favoritos como mestre.
Vale avisar: estou puxando isso da memória, e eu ainda era bem inexperiente. O cenário era meio exagerado, quase cartunesco, cheio de grandes momentos e ideias meio malucas, mas era divertido.
Jogávamos nas tardes de sábado, o grupo estava crescendo aos poucos. Então chegou um novo jogador — amigo de um dos jogadores. Vamos chamá-lo de Crazy Lou.
Era a primeira vez de Lou jogando RPG. Ele criou um personagem focado em combate, com quase nada de histórico ou personalidade. Na mesa, ele mal falava. Estava presente fisicamente, mas era apático. Nos combates fazia o básico, e no resto, era um fantasma.
Isso me preocupava. Minha campanha recompensava iniciativa e interpretação — até mesmo mecanicamente. Mas Lou não se envolvia. Imagino que devia ser entediante ver os outros planejando, falando e tomando decisões, sem conseguir achar espaço pra entrar.
O arco da vez envolvia ameaças cósmicas — vários "Reis Demônio" (não lembro como eu os chamava na época, esse nome é só um substituto). As missões seguiam um formato:
- Descobrir o paradeiro de um Rei Demônio
- Infiltrar-se em sua dungeon ou culto
- Vencer um chefe intermediário
- Expor o Beacon (um artefato sagrado) ao Rei Demônio
- Invocar um anjo executor que o eliminava
- Sobrar vivos para contar a história
Tudo isso sob orientação de um NPC dúbio — alguém que precisava do sucesso dos jogadores, mas tinha interesses próprios.
A primeira missão era conseguir o Beacon. Eles conseguiram. Exploraram a dungeon, recuperaram o artefato e, ao final, sem saber, expuseram o primeiro Rei Demônio. O céu se abriu e um anjo desceu, destruindo a criatura em segundos. Foi épico.
Mas Lou? Continuava apático.
Na sessão seguinte, o grupo se reuniu com o NPC, que explicou o que era o Beacon e como seriam as missões futuras. E então pedi para todos saírem da sala. Era hora de uma cena solo com Lou.
Seu personagem estava voltando pra casa, quando foi abordado pelo mesmo NPC. E ele carregava… o Beacon.
Lou estranhou: “Mas você já entregou o Beacon para o grupo.” O NPC sorriu e respondeu: “Aquilo era uma cópia. Era perigoso demais expor o verdadeiro artefato. Mas a missão precisa continuar.”
Então o NPC confiou o verdadeiro Beacon a Lou. Disse que, para manter a farsa, Lou deveria seguir com o grupo como sempre — mas sempre ir na frente. Porque só o verdadeiro Beacon ativaria o anjo.
Se o grupo fosse alvo de leitura mental, não poderia saber. Nem mesmo os aliados do NPC sabiam. Só Lou.
Agora, a verdade? Eu não tinha ideia do que faria com isso. Talvez o NPC estivesse mentindo. Talvez Lou fosse o escolhido. Talvez o Beacon fosse roubado mais tarde. Não havia plano. Eu só queria dar um motivo para Lou se importar.
E deu certo.
Na sessão seguinte, Lou estava diferente. Participava dos planejamentos. Andava com confiança. Sorria de canto quando o “líder” do grupo discursava sobre a importância da missão. Avançava na frente mesmo contra inimigos poderosos.
Ele ainda era quieto — mas agora era um silêncio cheio de propósito. Tinha um segredo. E esse segredo fez com que ele importasse.
O grupo nunca descobriu. Nem dentro, nem fora do jogo. Mas Lou nunca mais voltou a ser passivo. E depois que a campanha acabou, soube que ele entrou em outros grupos de RPG — e agora ele tomava iniciativa. Às vezes até narrava.
Não lembro o nome real dos Reis Demônio. O mundo era exagerado. A trama, improvisada. Mas aquele momento — dar o item mais importante da campanha ao jogador mais apático — e vê-lo acordar?
Esse foi um dos meus melhores momentos como mestre.
TL;DR:
Criei uma reviravolta secreta só pra engajar um jogador apático: dei a ele o verdadeiro artefato sagrado. Funcionou. Ele se transformou. Um dos meus momentos mais orgulhosos como DM.
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