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13 de novembro de 2023

AYRO - O Incidente Sussano'o

 




O que chamam de "O Incidente Sussano'o" foi um dia de grandes desafios para mim e meus colegas cadetes. Estávamos em exercícios de marcha com Sensei Katsutaro nas terras costeiras quando nos vimos ilhados em uma vila portuária no sul da província de Ichigun devido às tempestades inesperadas de monções fora de época. As fortes chuvas arruinaram as plantações locais e impuseram um bloqueio marítimo, impedindo que navios aportassem com suprimentos vitais.

 A situação na vila estava desesperadora. Os camponeses protestam com fome, e ronins desempregados igualmente ilhados se mostravam uma ameaça em potencial, ameaçando saquear um importante silo imperial que guarda alimento não-despachado pelo mau-tempo. A guarnição dos Daidoji não chegaria a tempo caso os ronins provocassem uma revolta nas próximas horas. Diante dessa ameaça iminente, os mestres encarregados e Katsutaro Sama decidiram que era hora de agir.

 

Nós, jovens ainda despreparados, fomos ordenados a vestir armaduras pesadas e marchar pelos entornos. O objetivo era criar a ilusão de que os homens aptos para lutar seriam mais numerosos, na esperança de desencorajar saqueadores - eu mesmo tinha 13 anos à época, e meus colegas flutuavam em idades ainda menores. Embora estivéssemos cientes de nossa inexperiência e das limitações de nosso treinamento, sabíamos que a honra e o dever exigiam nossa ação.

 Com corações valentes e armaduras emprestadas dos guerreiros mais experientes, marchamos em direção ao silo imperial. O som das gotas de chuva batendo nas nossas armaduras ecoava como um ritmo de enfrentamento. Os aldeões famintos observavam nossos movimentos, como se buscasse alguma falha em nossa formação que demonstrasse fraqueza nos Guerreiros de Ferro.

 Enfrentamos um dilema, pois mal sabíamos empunhar nossas espadas adequadamente, e tínhamos diante de nós a árdua tarefa de defender algo que estava além da nossa habilidade. Os Ronins tinham mais tempo de batalha que a grandíssima maioria de nós e, se os camponeses fizessem volume em suas forças, seria terrível. Mas não havia tempo para hesitação. Erguemos nossas lanças com o melhor de nossa determinação, prontos para enfrentar qualquer desafio com lealdade e coragem.

 A medida que nos aproximávamos do silo, os aldeões e ronins pareciam hesitar. A visão de samurais prontos para lutar era o suficiente para desencorajá-los de suas intenções de saque. Mas, além disso, algo incrível aconteceu. Talvez tenha sido uma combinação de respeito e admiração pela própria imagem dos samurais, ou talvez a percepção da unidade e determinação em nossos olhos. Por qualquer razão, os saqueadores recuaram e desistiram de suas intenções imediatas de invadir o silo imperial.

 Contudo, a área era ampla. Víamos, durante uma vigilia que durou a noite inteira debaixo de chuva torrencial, pequenos grupos circulando na escuridão, como se procurassem uma brecha. Tínhamos de manter a guarda homogênea e firme. Uma única fratura na defesa de ferro poderia estimular o saque e o caos.

 Foi quando meu pequeno pelotão percebeu nas sombras entre os seixos alguns vultos. Não eram muitos, mas estavam ousados. Esgueiravam temerariamente, mas constantes. Quando pareciam perto demais, nosso Sempai – o único adulto na guarnição de sete contando comigo – adiantou-se e deu um comando retumbante para recuar. Sua voz venceu as águas da chuva que caíam quase como se houvesse um rio sobre nós. Os vultos se afastaram, mas não dispersaram. Eles provocavam nossa posição.

 O Sempai deu um último blefe. Ordenou que nós marchássemos. Obedecemos, pois era a última jogada antes de um combate. Nesse momento, só me lembro do branco.

 

Estava cego e surdo, mas pelos relatos conflitantes, um raio caiu na ponta de meu cabuto, envolvendo-me com raios e relâmpagos. Acredito ser um exagero devido ao susto do fenômeno, pois não imagino como eu sobreviveria se realmente tivesse sido atingido. Mas só fiz o que a disciplina me ensinou agarrei firme na minha lança para saber onde era em cima e onde era em baixo, e permaneci lá, de pé, completamente alheio do mundo exterior por longos minutos. Sem controle algum de meus movimentos, com as unhas fincadas no lenho da lança que agora era uma muleta.

 Este ato afugentou os chacais que nos espreitavam. E a estória deve ter corrido como o próprio relâmpago pela escuridão até alcançar a aldeia, pois pontos nefrálgicos similares debandaram. Todos os saqueadores desapareceram na noite, e não retornaram pela manhã, quando os reforços enfim chegaram.

 

Alguns dizem que foi um golpe de sorte, outros que o próprio Sussano’o encarnou em mim para defender o posto. Só sei que continuei sentindo gosto de cobre na boca por uma semana, e tendo sonos inconstantes por um mês. Soube que falam da minha “lenda” entre os camponeses, mas aquele raio minimizou os feitos de nossos soldados. E pode parecer paranóia, mas desde então, parece que minha ingratidão aos espíritos do trovão faz pequenos acidentes ocorrerem ao meu redor.

 

Até o próximo registro,

 

Daidoji Ayro




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